Mudanças climáticas podem reduzir áreas destinadas ao cultivo do café,
especialmente o da variação arábica, que responde por 70% da demanda
global
Alimento mais consumido pelo brasileiro, à frente do
arroz e do feijão, o popular cafezinho pode perder o lugar cativo nas
mesas de todo o país devido às mudanças climáticas.
Dados da segunda parte do quinto relatório do
Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU (IPCC, na
sigla em inglês), divulgada nesta segunda-feira, revelam que o aumento
da temperatura média global pode reduzir as áreas destinadas ao cultivo
do grão, especialmente o da variação arábica, que responde por 70% da
demanda global.
O impacto seria maior em países como o Brasil, maior produtor e exportador mundial de café.
Hoje, uma a cada três xícaras de café consumidas no mundo é produzida em solo brasileiro.
Outros alimentos, como cacau e chá, também poderiam ser severamente afetados pela onda de calor.
Baseado em uma compilação de estudos já
publicados sobre o efeito do aquecimento global na produção de café, o
relatório, divulgado nesta segunda-feira em Yokohama, no Japão, aponta
que a combinação de altas temperaturas e escassez de recursos hídricos
diminuiria consideravelmente o cultivo do grão nos principais Estados
produtores no Brasil, como Minas Gerais e São Paulo.
Nesses Estados, diz o IPCC, um aumento de 3ºC na
temperatura global reduziria o potencial de cultivo das áreas
destinadas ao plantio de café de 70-75% para 20-25%, enquanto que a
produção em Goiás seria eliminada.
Em São Paulo, que responde por 10% do total de
café colhido no Brasil, o aquecimento global reduziria a produção em
60%, causando perdas equivalentes a US$ 300 milhões (R$ 680 milhões).
"Essa tendência já vem sendo observada nos
últimos anos. Entre 1998 e 2008, somente o Estado de São Paulo perdeu
35% de área cultivada com café arábica, a maioria substituídas por
seringueira e cana-de-açúcar, que são plantas mais tolerantes ao calor e
às estiagens mais longas. Nessas áreas, as temperaturas médias subiram
mais de 1,5ºC, afetando diretamente o florescimento (dessas plantas)",
afirmou à BBC Brasil Hilton Silveira Pinto, professor da Unicamp e um
dos autores do estudo citado no relatório do IPCC.
"Por outro lado, poderá haver um incremento de
produção em regiões hoje mais frias, como Paraná, Santa Catarina e do
Rio Grande do Sul, mas esse acréscimo não será capaz de compensar as
perdas gerais da cultura", acrescentou ele.
A partir de simulações matemáticas, Silveira
Pinto, da Unicamp, e Eduardo Assad, da Empraba, fizeram uma estimativa
futura sobre a redução da área destinada ao cultivo do café em dois
cenários: um otimista (B2), segundo o qual a temperatura global deve
crescer entre 1,4°C e 3,8ºC até 2100, e outro pessimista (A1), que prevê
uma onda de calor entre entre 2°C e 5,4ºC no mesmo período.
No primeiro cenário, os pesquisadores estimaram
uma queda de 6,75% na área destinada ao cultivo do café até 2020. Mas em
2050, o total de terrenos propícios ao plantio do grão poderia diminuir
18,3%, chegando a 27,6% em 2070.
Nesse contexto, o aquecimento global poderia
trazer prejuízos de R$ 600 milhões em 2020, R$ 1,7 bilhão em 2050 e R$
2,55 bilhões em 2070, acrescentam.
Já no segundo cenário, o mais pessimista, a
queda da área de baixo risco começa com 9,48% em 2020, subindo para
17,15% em 2050 e chegando a 33% em 2070, o que representaria um perda de
R$ 882 milhões, R$ 1,6 bilhão e R$ 3 bilhões, respectivamente.
Impacto do aquecimento global nas áreas destinadas ao cultivo do café no Brasil
|
1,4°C e 3,8ºC (B2 - Cenário otimista)
|
2°C e 5,4ºC (A1- Cenário pessimista) |
2020 |
-6,75% |
-9,48% |
2050 |
-18,3% |
-17,15% |
2070 |
-27,6% |
-33% |
Fonte: http://www.agritempo.gov.br/climaeagricultura/cafe.html
Brasil
Em 2013, ano considerado de safra curta, a
produção total de café no Brasil foi de 2.918.652 quilos, o equivalente a
48,6 milhões de sacas de 60 quilos.
Neste ano, o IBGE prevê um aumento de apenas 0,1% na produção, que deve alcançar 2.922.303 quilos.
No entanto, estima-se que haverá uma redução de
3,2% da área destinada à colheita do café arábica, que responde por dois
terços da produção total.
Se a previsão for confirmada, será a primeira vez em mais de 20 anos que não será observada a alternância de safras.
Isto é, safra cheia nos anos pares e safra curta nos ímpares. De 1992 a 2013, a tendência foi observada sem interrupções.
As estimativas já levam em consideração o
impacto do clima extremo que atingiu as fazendas de café brasileiras
neste ano, depois que uma seca de grandes proporções eliminou 25% das
lavouras e forçou 140 cidades a racionar água.
Porém, entidades do setor dizem que as previsões
do IBGE estão descoladas do mercado. Segundo elas, a produção será
ainda menor do que a prevista pelo instituto, dadas as intempéries
relacionadas às mudanças climáticas.
Por causa das altas temperaturas, a colheita do café também teve de ser antecipada neste ano entre 15 a 25 dias.
No caso do arábica, a colheita, que normalmente ocorre no final de maio, foi adiantada para o início do mesmo mês.
Já os produtores da variação robusta (ou
conilon) ─ que tradicionalmente é colhida antes do arábica devido à
fenologia ─ deverão começar para valer a colheita em meados de abril,
quando isso seria feito somente no início de maio, após chuvas
abundantes terem antecipado as floradas e favorecido a formação do grão,
segundo a agência de notícias Reuters.
Prejuízo
As previsões para a redução das áreas de cultivo
destinadas à produção de café ocorrem em um momento de crescimento da
demanda pelo grão ao redor do mundo.
Só no Reino Unido, o número de estabelecimentos
que vendem café aumentou 4% na última década. Somente esse setor fatura
5,8 bilhões de libras (R$ 22 bilhões).
O estudo do IPCC também alerta que o aquecimento
global pode diminuir em 40% o número de terrenos propícios ao cultivo
de outros grãos na Costa Rica, Nicarágua e El Salvador, afetando 1,4
milhão de pessoas.
Costa Rica, Nicarágua e El Salvador são alguns dos países que também podem ser afetados por aquecimento global
Na África, países como Etiópia, Quênia, Uganda,
Ruanda e Burundi, conhecidos pela produção da variação arábica em áreas
de maior altitude, também devem ser ameaçados pelas mudanças
climáticas, acrescenta o relatório.
IPCC
Nesta segunda-feira, em Yokohama, foi divulgada a
conclusão do segundo grupo de trabalho da quinta avaliação do Painel
Intergovernamental para Mudanças Climáticas da ONU (IPCC, na sigla em
inglês), sobre os impactos da alteração climática, adaptação e
vulnerabilidade da Terra.
O relatório completo será divulgado no fim do ano. As outras edições foram apresentadas em 1990, 1995, 2001 e 2007.
Para elaborar as avaliações, o IPCC divide-se em
três Grupos de Trabalho (GTs). O GT I é responsável pela "Base
Científica da Alteração Climática", o II lida com "Impactos da Alteração
Climática, Adaptação e Vulnerabilidade" e o III está a cargo de
explicar a "Mitigação da Alteração Climática".