Mais da metade dos Estados descumpriram a Lei de Responsabilidade
Fiscal (LRF) no ano passado ao estourar o limite de gastos com pessoal. O
relatório divulgado ontem pelo Tesouro Nacional mostra que o problema
vem se agravando nos últimos anos: em 2017, 16 Estados e o Distrito
Federal extrapolaram as despesas com salários e aposentadorias. No
anterior, foram nove Estados.
Tesouro alerta para risco de as finanças estaduais entrarem em colapso. Endividamento e gastos com pessoal são fatores que pesam
Fonte: Tesouro Nacional
Por lei, as administrações não podem destinar mais de 60% da Receita
Corrente Líquida (RCL) à folha de pessoal, o que coloca em risco as
finanças públicas e aumenta o risco de insolvência. Os governadores
eleitos terão de lidar com esse problema.
Ao destinar a maior parte da receita para pagar servidores, sobra
cada vez menos para manter o funcionamento de serviços básicos que estão
sob a responsabilidade dos Estados, como segurança e educação. “Se não
forem revistos os parâmetros constitucionais atuais, há grande risco de
ampliação das situações de insolvência nos próximos anos”, alerta o
documento do Tesouro Nacional.
Em cinco Estados, o comprometimento com gastos de pessoal já
ultrapassa os 75% da receita corrente líquida. Um deles é o Rio de
Janeiro, que está no Regime de Recuperação Fiscal (RRF) com a União, mas
ainda enfrenta dificuldades para equilibrar suas contas. Com um
histórico de reajustes salariais generosos antes de ingressar no
programa de socorro federal, o governo fluminense destinou 81% da
receita ao pagamento da folha no ano passado.
A situação mais crítica é do Rio Grande do Norte (86%), que no fim do
ano passado pressionou o governo federal por uma medida provisória (MP)
para repassar dinheiro ao Estado e ajudar no pagamento de salários dos
servidores – o que seria ilegal. O Ministério da Fazenda barrou a
medida. Minas, Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul comprometeram
quase 80% da receita com gastos com pessoal.
Maquiagem
Além de expor a fragilidade das contas estaduais, o documento ainda
demonstra a maquiagem contábil feita pelos Estados para ficar
artificialmente dentro dos limites da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Apenas seis governos estaduais admitem em seus próprios dados que
extrapolam a regra prevista em lei.
Os cálculos feitos pelo Tesouro Nacional contabilizam despesas que
são deixadas de lado pelos Estados na tentativa de evitar as sanções da
LRF para o caso de descumprimento do limite de gastos com pessoal.
Muitos governos estaduais excluem das contas despensas com inativos ou
auxílios, chancelados por resoluções dos Tribunais de Contas Estaduais
(TCEs).
O Rio Grande do Sul, que pretende aderir ao Regime de Recuperação
Fiscal para ter alívio na sua dívida e ter acesso a novos empréstimos, é
um dos que ainda não reconhecem a maquiagem. Pelos dados do Estado, o
comprometimento de receitas com pessoal está em 56%, abaixo do limite. O
Estado está parcelando salários e já admite que não pagará o 13.º no
prazo.
Há preocupação ainda porque em alguns casos a diferença entre o
comprometimento admitido pelo Estado e o cálculo do Tesouro supera os 30
pontos porcentuais. É o caso do Rio Grande do Norte, que tem um
comprometimento de 86% segundo o Tesouro (o maior entre os Estados), mas
admite apenas 52%.
O alerta do Tesouro é para o fato de que hoje há muitas amarras que
impedem a redução das despesas e, no futuro, não haverá paliativos.
Mesmo que haja esforço de contenção de gastos pelas próximas gestões
estaduais, a situação ainda será crítica porque o envelhecimento da
população e o crescimento das aposentadorias elevarão as despesas com
inativos de qualquer forma, aumentando o peso da folha.
De 2005 a 2016, o gasto per capita com servidores estaduais teve alta
real média de 57%, sendo que em cinco Estados o avanço foi de mais de
80% acima da inflação. O resultado que se vê agora é o endividamento
elevado de alguns Estados e uma folha de pessoal crescente e
incompatível com seu volume normal de receitas.
Colapso
O economista Raul Velloso, especialista em contas públicas pondera
que o relatório do Tesouro “não conta toda a história” da trajetória de
endividamento dos Estados. “O Tesouro constata que os gastos com pessoal
passaram do limite e deduz que o Estado está insolvente. Mas é preciso
entender a causa para apontar um ‘caminho da salvação’.” Ele avalia que a
principal fonte de problemas das folhas dos governos estaduais hoje
está nos servidores aposentados e que os governadores eleitos devem, a
partir do ano que vem, traçar estratégias para reverter os gastos
crescentes.
Ana Carla Abrão Costa, que foi secretária da Fazenda de Goiás, lembra
que os dados de despesa com pessoal dos Estados no ano passado aponta
uma tendência que os economistas já vinham alertando. “É uma trajetória
insustentável e que já estava delineada. Se os Estados não fizerem um
ajuste, as despesas com pessoal vão consumir toda a receita. Eles estão a
caminho do colapso dos serviços públicos.”
“Os gastos elevados com pessoal são um alerta. São despesas
obrigatórias e de difícil redução. Para alguns Estados, em que a folha
tem um peso maior, é ainda mais urgente, porque muitos estão em um
processo acelerado de envelhecimento da população, o que vai pesar no
futuro”, diz Fabio Klein, da Tendências.
Estadão
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