Cinco anos após o site Congresso em Foco revelar que senadores e
deputados utilizavam para fins particulares a cota de passagens
aéreas bancada com dinheiro público, nenhum parlamentar foi punido, em
qualquer esfera, pelo uso indevido do benefício. Poucos devolveram os
recursos da cota pública gastos de maneira privada. A Câmara e o Senado
sequer informam o total devolvido. Passada meia década, nenhuma denúncia
foi oferecida à Justiça pelo Ministério Público Federal, onde se
arrastam as investigações cíveis e criminais sobre o caso.
Revelada a partir de 14 de abril de 2009 por este site, a chamada
farra das passagens mostrou que os políticos usavam a cota de bilhetes
aéreos não apenas para trabalhar e se deslocar de Brasília para suas
bases. Recorriam ao benefício público para fazer turismo e transportar
parentes para o exterior. Eles ainda cediam passagens para terceiros,
potenciais eleitores e parceiros comerciais. Agentes de viagens
declararam às autoridades que os parlamentares vendiam as sobras de suas
cotas – o fato foi confirmado, mas a autoria, até hoje, é atribuída
apenas a servidores e intermediários, apesar de documentos obtidos pela
reportagem revelarem bem mais que isso.
A série de reportagens começou com a revelação de que a Câmara bancou
passagens para os atores Kayky Brito, Sthefany Brito e Samara Felippo
participarem do carnaval fora de época em Natal. Os bilhetes saíram da
cota do deputado Fábio Faria (hoje no PSD-RN), dono do camarote
Athlética, um dos mais concorridos do Carnatal por reunir o maior número
de celebridades. Fábio, que hoje preside interinamente a Câmara, também
utilizou a cota parlamentar para pagar sete viagens para a
ex-namoradora, a apresentadora de TV Adriane Galisteu, e a mãe dela,
Emma Galisteu, entre 2007 e 2008. Após a publicação da reportagem, ele
devolveu o dinheiro das passagens. Os artistas alegaram que não sabiam
de onde vinha o dinheiro das passagens.
Uma lista publicada pelo Congresso em Foco, com base apenas em
registros da TAM, mostrou que 261 deputados, mais da metade da Câmara,
usou sua cota para eles próprios ou terceiros viajarem ao exterior entre
2007 e 2008. Uma conta que somava mais de R$ 4 milhões. Registros das
companhias Gol e Varig mostraram que eles também utilizavam recursos
públicos para descansar nas férias ou presentear amigos
e celebridades, numa prática disseminada por todos os partidos
políticos, que envolvia deputados, senadores, ex-parlamentares,
ministros de Estado e do Tribunal de Contas e até o hoje vice-presidente
da República, Michel Temer(PMDB), que presidia a Câmara na época.
Na semana passada, o Congresso em Foco buscou novamente na Câmara
resposta a um questionamento feito ao longo dos últimos cinco anos:
quais deputados devolveram recursos públicos gastos de forma particular
após a revelação do caso? Pelas contas do site, pelo menos R$ 272 mil foram ressarcidos por nove deputados.
Pelo menos nove devolveram dinheiro das passagens aéreas
Parlamentar | Valores devolvido |
Fernando Coruja (SC)* | 84.000,00 |
Chico Alencar (Psol-RJ) | 69.559,63 |
Robson Rodovalho (PP-DF) | 41.196,40 |
Fabio Faria (PMN-RN) | 23.748,60 |
João Alfredo (Psol-CE) | 19.580,14 |
Lincoln Portela (PR-MG)* | 18.500,00 |
Geraldo Magela (PT-DF)* | 14.000,00 |
Julião Amin (PDT-MA) | 1.143,10 |
Carlos Sampaio (PSDB-SP) | 304,58 |
Total | R$ 272.032,45 |
Média | R$ 30.225,83 |
Em 2010, o Ministério Público fez o mesmo questionamento à Câmara,
reiterado pelo menos uma vez, em 2012. Na semana passada, a
administração da Casa informou que não respondeu aos procuradores. O
caso ainda está “em análise”. Informalmente, servidores do Congresso
disseram que uma reunião de comitê com representantes do Ministério
Público e da Câmara deve acontecer nos próximos dias, quando o assunto
poderá voltar a ser discutido. Apesar da demora do Parlamento em dar
esclarecimentos e de comprovar a devolução do dinheiro, os procuradores
da República não exigiram na Justiça o ressarcimento dos valores. Há
cinco inquéritos civis públicos na Procuradoria da República do Distrito
Federal. Nenhum virou denúncia, o que diminui as chances de o
contribuinte ter o dinheiro de seus impostos de volta.
Quem pagou
Em reação à revelação da farra, na prática o Congresso perdoou as
irregularidades do passado e mudou regras de uso das passagens para o
futuro. Os voos ao exterior ficaram mais restritos e controlados por
meio de portais de transparência. Se criminal e civilmente os políticos
não foram responsabilizados por nada, sobrou para os servidores. Muitos
foram demitidos do Congresso, parte deles sumariamente, por recomendação
do então corregedor da Câmara ACM Neto (DEM-BA). Sofreram processo
administrativo da Câmara, mas muitos já estavam fora de seus cargos.
Fonte: Congresso em Foco