terça-feira, 13 de novembro de 2018

DIREITO DE IR E VIR: Município de Natal e Governo do Estado devem garantir livre circulação dos cidadãos pelas vias públicas durante manifestações, sentencia juiz no TJRN

O juiz Bruno Montenegro Ribeiro Dantas, em processo da 3ª Vara da Fazenda Pública de Natal, reconheceu a obrigação do Município de Natal e do Estado do Rio Grande do Norte de garantir o direito de todos os cidadãos à livre circulação pelas vias públicas da cidade de Natal, “devendo ser encampadas todas as medidas que se afigurem necessárias para que as vias públicas estejam em condições de permitir o trânsito de pessoas e veículos em total segurança, em detrimento de manifestações realizadas ao arrepio dos parâmetros constitucionais, a saber, sem prévio aviso à autoridade competente e/ou com o tolhimento desarrazoado e irrestrito ao direito de ir e vir da população em geral, alheia ao evento”.
 
A sentença se deu em Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público Estadual contra o Município de Natal, o Estado do Rio Grande do Norte e o Sindicato dos Proprietários de Transportes Alternativos no Rio Grande do Norte (Sitoparn), em razão de manifestação realizada pelo sindicato no dia 4 de dezembro de 2013, quando permissionários bloquearam as principais vias da cidade com seus veículos durante quatro horas e meia, ocasionando inúmeros transtornos à população.

Em sua sentença, o juiz Bruno Montenegro considera que apesar da petição inicial referir-se a uma manifestação específica já ocorrida não há nenhum obstáculo para o julgamento do processo, “considerando que o objeto jurídico revolve um objeto mais amplo, consistente na garantia de direitos fundamentais assegurados constitucionalmente, de modo que as medidas que eventualmente venham a ser adotadas nestes autos irradiam os seus efeitos a situações da mesma natureza que venham a se desenrolar no futuro”.

Assim, o magistrado determina que o Município de Natal e o Estado do RN devem promover todas as providências administrativas acautelatórias e repressivas, se necessário for, para garantir o fluxo regular de pessoas e automóveis, com auxílio, inclusive, da Polícia Militar.

Também no dispositivo da sentença, o juiz Bruno Montenegro determina que a Polícia Militar fica obrigada a proceder com a prestação de auxílio imediato à Secretaria Municipal de Trânsito em qualquer situação de obstrução de vias públicas que possam trazer risco de danos a um número indeterminado de pessoas, auxiliando o órgão público municipal a desobstruir as vias públicas e restabelecer a livre circulação de veículos e pessoas nos locais respectivos.

Especificamente ao Sintoparn, o magistrado determina a proibição para que o sindicato utilize seus veículos para a realização de bloqueios de vias públicas em qualquer e eventual tipo de protesto, bem como ocupe prédios públicos de forma a impedir o funcionamento do serviço público sob pena de suspensão total de suas atividades. A Secretaria Municipal de Trânsito fica obrigada a tomar imediatamente providências administrativas para restabelecer o fluxo de veículos pelas vias públicas urbanas em qualquer situação na qual estes veículos estejam impedindo o trânsito regular de pessoas e veículos, utilizando guinchos para a retirada de quaisquer entraves à livre circulação de carros e pedestres.

Decisão

Ao analisar a Ação Civil Pública, o juiz Bruno Montenegro entendeu que o Sintoparn extrapolou os limites de seus direitos de reunião e de manifestação do pensamento e ressaltou que não se pode emprestar a qualquer direito ou garantia um caráter absoluto. O magistrado afirma ainda que a liberdade de pensamento garantida pela Constituição Federal não ampara práticas ilícitas e que atentem contra as demais liberdades das pessoas.

Em outro trecho de sua fundamentação, o julgador entende que a partir dessas premissas, “manifestações desta ordem, como àquela levada a efeito pelo Sitoparn, mediante bloqueio de vias públicas e ocupação de prédios públicos, de modo a impedir o tráfego regular de veículos e causar a paralisação de serviços prestados à população, extrapolam os critérios de razoabilidade e proporcionalidade”. Para o juiz, essas práticas alçam os direitos de reunião e de manifestação de um pequeno grupo a um patamar inexistente, suprimindo o direito de ir e vir titularizado por todos os demais cidadãos, os quais, no mais das vezes, se prejudicam em diversas searas de suas vidas, em razão de abusos dessa natureza.

“Corroborar com esse tipo de excesso é chancelar que determinada pretensão de alguns poucos possa transcender e arrefecer os direitos de toda uma coletividade, em nome de uma compreensão ampliada e distorcida do direito de manifestação. Não foi essa, me parece, a intenção do legislador constituinte. Ora, o Estado Democrático de Direito jamais pode ser conspurcado por determinados grupos ou segmentos da sociedade, devendo os cidadãos e o Estado adotarem medidas efetivas na busca da manutenção da ordem jurídica”, destaca trecho da sentença.

Bruno Montenegro considera que as manifestações em vias públicas são e continuarão sendo mecanismos para o exercício da cidadania, destacando-se como meio de expressão de ideias ou, com ainda maior intensidade, de reivindicações e de protestos. “Todavia, não se pode ignorar a necessidade de atendimento aos diversos regramentos legais para a escorreita fruição do referido direito, o qual não pode assumir ares de embaraço irrazoável e desmedido, consistindo em deturpação do uso das vias públicas”.

(Processo nº 0802819-51.2014.8.20.0001) TJRN

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