Não se deve discutir com quem adota uma dieta vegetariana ou vegana por motivos de saúde, religiosos, ambientais ou éticos. Porém, deve-se protestar com veemência contra quem faz proselitismo distorcendo a ciência ou os conselhos dietéticos oferecidos aos mais de 90% da população que preferem consumir alimentos animais.
Tal é o caso do documentário recentemente lançado pela Netflix chamado “What the Health”, que várias pessoas bem-intencionadas e conscientes em relação à saúde vêm recomendando.
No filme há afirmações errôneas, como dizer que comer um ovo por dia faz tão mal quanto fumar cinco cigarros ou que uma porção diária de carne processada eleva o risco de diabetes em 51%.
Embora a obra possa ter objetivos elogiáveis, ouvir dados científicos errados confunde as questões.
Nada disso significa apoio ao tratamento desumano de animais em fazendas nem a poluição injustificável do ambiente com rejeitos animais, e pesticidas e antibióticos mal utilizados.
Pensando em saúde, um vegano pode ser tão pouco saudável comendo vegetais escolhidos de forma errada quanto um onívoro que praticamente só come hambúrgueres e frango frito.
Uma dieta vegana recheada de grãos refinados, como arroz branco e pão, sucos e bebidas adoçadas, biscoitos, batatinhas e bolachas de água e sal, e sorvete sem leite estão longe de ser uma alimentação saudável.
Diretrizes dietéticas atuais já recomendam que todos deveriam adotar uma nutrição à base de plantas, rica em alimentos oriundos do solo associados a fontes de proteína animal com pouca gordura ou combinações de feijões e grãos.
Contudo, também nesse caso, uma seleção descuidada de comida e bebida pode resultar em uma dieta insalubre à base de vegetais.
Um grande estudo publicado recentemente no “Journal of the American College of Cardiology” exemplifica isso.
Elaborado por uma equipe de cientistas da Universidade Harvard, nos EUA, a pesquisa examinou, entre mais de 200 mil profissionais da saúde, as relações entre dietas baseadas em plantas de diversas qualidades e o risco de desenvolver doença coronária.
Iniciando o estudo sem doenças crônicas, os participantes foram acompanhados por mais de duas décadas, enviando o padrão dietético aos pesquisadores a cada 2 anos.
Tomando por base suas respostas, os hábitos dos participantes foram classificados pela equipe como: dieta geral à base de plantas (enfatizando vegetais sobre alimentos animais); dieta saudável à base de plantas (enfatizando alimentação vegetariana saudável); ou dieta não saudável à base de plantas.
Qualquer uma das dietas poderia incluir várias quantidades de produtos animais.
Alimentos vegetarianos saudáveis como grãos integrais, frutas, vegetais, nozes e legumes, além de óleos vegetais, café e chá, receberam notas positivas; comidas de origem vegetal menos saudável, como sucos, bebidas adoçadas, grãos refinados, frituras e doces, bem como alimentos de origem animal, receberam pontuação negativa.
RISCO DE DOENÇA
Quanto maior fosse a adesão dos participantes a dietas saudáveis à base de plantas, menor era a probabilidade de desenvolvimento de doenças cardíacas durante a realização do estudo. Em estudo anterior, os pesquisadores encontraram uma redução similar no risco de diabetes tipo 2.
Quem manteve uma dieta menos saudável à base de plantas, apresentou, em média, uma probabilidade 32% maior de receber um diagnóstico de doença cardíaca.
Liderada por Ambika Satija, do departamento de nutrição, a equipe concluiu que “nem todos os alimentos à base de plantas são necessariamente benéficos à saúde”.
A descoberta de Harvard foi praticamente idêntica a um estudo europeu de 11 anos que constatou um risco 32% menor de doença coronariana entre os vegetarianos do que entre não vegetarianos -embora nenhum tipo de classificação baseada na saúde tenha sido dado à qualidade das dietas vegetarianas dos participantes.
O estudo mais detalhado de Harvard, que examinou o nível de adesão à dieta à base de plantas, constatou que “até mesmo uma ingestão baixa de alimentos animais combinados a uma ingestão maior de alimentos vegetais saudáveis” estava associada a risco menor de doença cardíaca.
Em outras palavras, não é preciso se tornar exclusivamente vegetariano para proteger o coração. Reduzir a dependência de alimentos animais e principalmente evitar os ricos em gordura já ajuda.
Na verdade, os pesquisadores concluíram que “uma dieta que enfatizou alimentos animais e vegetais saudáveis” estava ligada a um risco coronariano levemente mais elevado do que no caso de uma dieta saudável inteiramente à base de plantas.
Por outro lado, segundo o estudo, exagerar em “alimentos vegetais menos saudáveis” e comidas animais menos saudáveis, como carnes processadas e vermelha, aumentou de forma significativa o risco de desenvolver doença cardíaca.
Conforme observaram os cientistas, as descobertas de Harvard corroboram o recém-divulgado documento Diretrizes Dietéticas para os Americanos, o qual pede que as pessoas consumam grandes quantidades de “alimentos vegetais de alta qualidade”.
Ainda de acordo com eles, a dieta recomendada “também seria sustentável em termos ambientais”, pois sistemas alimentares à base de plantas requerem menos recursos do que os animais.
Dessa forma, quanto mais plantas e menos animais se comer, menor será sua pegada de carbono e sua contribuição para o sofrimento animal. Contudo, para ser realmente benéfica, a planta deve ser rica em nutrientes.
Embora a maioria dos americanos dependa de alimentos animais para obter proteína, ter proteína de qualidade não é difícil com uma dieta vegetariana que inclua laticínios e ovos.
Quem agrega peixe à dieta recebe um bônus de ácidos graxos ômega-3, além de proteína de alta qualidade de peixes e mariscos.
Quem escolhe uma dieta vegana estrita enfrenta um desafio maior porque a proteína em plantas não é completa e deve ser equilibrada pelo consumo de fontes complementares, como feijões e grãos. Os veganos também devem suplementar a dieta com vitamina B12.
A menos que vire vegano, é possível aprimorar a dieta, proteger a saúde e acrescentar variedade às refeições com simples ajustes dietéticos.
Como Hena Patel e Kim Allan Williams, cardiologistas do Centro Médico da Universidade Rush, Chicago, sugeriram em um comentário ao estudo da Universidade Harvard, pode-se escolher um dia por semana sem carne e, gradualmente, acrescentar mais dias sem carne, enquanto se acrescenta uma ou mais receitas novas à base de vegetais por semana.
Colhendo o que planta
Alimentação à base de plantas, se não for bem planejada, pode ser tão prejudicial quanto uma com excesso de carne
Alimentação saudável
Ter plantas como base da dieta
Combinações de feijões e grãos
Complementar com proteína animal com pouca gordura
Consumir frutas, nozes e legumes
Alimentação não saudável
Muitas bebidas açucaradas
Consumo excessivo de sorvete sem leite
Comer muitos grãos refinados, como arroz
Muito pão, biscoitos, batatinhas, frituras e doces
Folha de São Paulo
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