segunda-feira, 14 de julho de 2014

Infraestrutura aquém do crescimento

Os únicos acessos que escoam o tráfego metropolitano em Natal completaram, em 2014, 77 anos. Oriundos do Plano de Viação de 1937, os corredores das BRs 101Sul/226/304 e BR 101Norte/406 não mudaram em nada nas últimas décadas. Em compensação, passaram a receber não só o fluxo entre as zonas norte e sul da capital, mas o contingente que cruza toda a Região Metropolitana. São 423.459 veículos – entre ônibus e carros – que integram a frota na região, segundo a Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana (Semob). Seis anos após a entrega do Plano de Desenvolvimento Sustentável da RMN ao Governo do Estado, nenhuma das seis obras que equacionaria o trânsito está pronta. 

Coordenados pelo professor Enilson Medeiros dos Santos, engenheiro e especialista em sistemas pela UFRN, quatro projetos de reformulação viária e construção de um transporte intermodal resolveriam os congestionamentos das pontes de Igapó e Redinha. 

Emanuel Amaral
Região metropolitana não possui sistema de transporte público integrado. Investimentos prometidos ainda estão no papelRegião metropolitana não possui sistema de transporte público integrado. Investimentos prometidos ainda estão no papel

Uma série de projetos estava dentro da concepção da Via Metropolitana: a construção de corredores que conectassem os dois lados da RMN. A Via ligaria os dois extremos da Rota do Sol utilizando, como via principal, a BR-304, de Macaíba. Além da Via, existiam também os “Portais Metropolitanos”: a construção de vias a partir dos principais corredores que ligassem a Metrópole ao “cordão metropolitano”; ou seja, os municípios mais carentes da RMN, mais distantes da macha metropolitana.

“O objetivo do plano de desenvolvimento era ter uma concepção global, que evitasse soluções imediatas, como a construção de uma terceira ponte para conectar a zona sul com o novo aeroporto”, afirma Enilson Santos. A via teria faixa dupla nos dois sentidos e, segundo Santos, adiaria a necessidade de se pensar em uma nova intervenção sobre o rio Potengi. 

Além da Via Metropolitana, existiam outros projetos, como a expansão da rede ferroviária, que hoje interliga apenas os municípios de Parnamirim à Ceará-Mirim. “A ideia era fazer um abraço metropolitano, mas hoje algumas coisas do plano precisariam ser revistas”, salientou Enilson Santos.

O Plano de Desenvolvimento da RMN também previa a consolidação de projetos antigos, como o Pró-Transporte. 

“Os mesmos dois acessos comandam ainda o tráfego entre Natal e a Região Metropolitana. Eles estão sobrecarregados, e só estão ligados pelas duas pontes. Eles são acessos, mas a cidade se desenvolveu por cima deles. Gerou-se um tráfego que tirou desses acessos a condição de acesso”, explica o professor. A sobrecarga dos acessos se transferiu para as pontes de Igapó e Newton Navarro. “Todo o tráfego que acontece na Região Metropolitana, tem que necessariamente passar por Natal e pelas pontes”, completa. 

Obras com atraso
O que Santos pensou como “Via Metropolitana” começou a sair do papel, mas de forma desmembrada. Diferentemente do sustentado pelo plano – uma gestão compartilhada – alguns dos projetos são tocadas de forma separada. O mais novo prazo estipulado determina a entrega da última intervenção em 2016.

Segundo o engenheiro Rafael Brandão, da Secretaria Estadual de Infraestrutura, o único projeto tocado pela SIN é o Pró-Transporte. Avaliada em R$ 88,2 milhões, a obra prevê a construção do Viaduto da Redinha; implantação do Eixo Moema Tinoco/Conselheiro Tristão, conclusão do viaduto das Fronteiras e o prolongamento da Avenida Moema Tinoco. As intervenções só começaram em novembro passado e, até agora, 6% da obra foi concluída. 

Atualmente, a obra “diminuiu o ritmo” por causa do período chuvoso e dificuldades no recebimento dos recursos. “A obra deve voltar a um ritmo satisfatório no início de agosto”, declarou Brandão. A entrega da obra só em dezembro de 2015.

Já a obra dos acessos ao novo aeroporto, em São Gonçalo do Amarante, só em setembro, segundo o Departamento de Estradas e Rodagens. “Tivemos alguns problemas com desapropriações, mas vamos entregar o acesso sul (BR-304) até setembro. O viaduto do acesso norte (BR-406) já entregamos em agosto”, afirmou Demétrio Torres. Já a sinalização do prolongamento da Prudente de Morais – parcialmente entregue em maio – só será licitada em agosto.

As intervenções na Reta Tabajara (BR-304), antes sob responsabilidade estadual, foi dividida com o Departamento Nacional de Infraestrutura (DNIT). Uma delas é a duplicação das BRs 406 e 304. 

Segundo a assessoria de imprensa do DNIT, a duplicação da BR-304 ainda está em fase de planejamento. Custará R$ 240 milhões e só será entregue em maio de 2016. Já a duplicação da BR-406  ainda está em estudo e elaboração do projeto. Não foi explicitado o custo, mas a entrega se mantém em 31 de dezembro de 2014.

Região Metropolitana
Plano de desenvolvimento previa obras estruturantes

O Plano de Desenvolvimento Sustentável da Região Metropolitana de Natal, elaborado entre 2007 e 2008, apresentava uma série de intervenções necessárias para o desenvolvimento da metrópole; as modificações abrangiam os eixos social, econômico, territorial e institucional (gestão). Confira alguns projetos sugeridos para a integração viária da RMN

1 - Via Metropolitana
Ação imediata
Custo: R$ 268 milhões
O que se concebia como Via Metropolitana era a integração de várias obras.
- Prolongamento da Prudente até a BR-101 (R$28 milhões);
- Duplicação da BR-304 até a BR-101 (R$40 milhões);
- Conexão das BRs 226/304 com BR-406, ou acessos norte e sul do novo aeroporto (R$60 milhões)
- Entroncamento da BR-406 com acesso norte do aeroporto, até BR-101/Norte (R$25 milhões)
- Intervenções do Pró-Transporte (R$ 45 milhões)
- Ligação Ponte Forte-Redinha com BR-101/Norte (R$ 23 milhões) 
- Ligação da Ponte Forte/BR-101 com a BR-226, do km 6 ao viaduto da Urbana (R$ 5 milhões),
- Reformas nas avenidas Bernardo Vieira e Capitão-Mor Gouveia, em Natal (R$ 12 milhões)
Status atual: Em obras 

2 - Rede rodoviária metropolitana
Ação de prioridade 2: 2010-2015
Custo: R$13,5 milhões
- Implantação, pavimentação e melhoramentos em Ceará-Mirim e BR-406 (R$2,5 milhões) 
- Melhoramentos na RN-307 entre Ceará-Mirim e Estivas (R$ 4,5 milhões)
- Implantação e pavimentação de trecho rodoviário conectando a RN-263, RN-064, BR-101, RN-038, RN-160 (R$5,5 milhões)
- Intervenções em Muriú (R$ 1 milhão)
Status atual: Não iniciada

3 - Portões Metropolitanos
Ação de prioridade 2:
Custo: R$ 46,5 milhões
Objetivo era criar “portões” para escoar o desenvolvimento da Metrópole para os municípios da área rural, por meio de vias que escoem o tráfego para essas regiões
- Portal Norte-noroeste: entre a BR-101 e a BR-406 (R$32,5 milhões)
- Portal Oeste-sudoeste: entre a BR-406 e a BR-304 (R$7 milhões)
- Portal Sul-sudoeste: entre a BR-226 e a BR-101/sul (R$16 milhões)
Status atual: Não iniciada

4 - Trem Metropolitano
Ação imediata
Custo: R$ R$ 340 milhões
Uma rede ferroviária que “abraçasse” os nove principais municípios metropolitanos: Natal, Parnamirim
- Duplicação de trechos ferroviários, implantação de serviços baseados em Veículos Leves Sobre Trilhos (VLTs), novas estações e material móvel
Status atual: CBTU não forneceu informações

5 - Polo Científico- tecnológico
Ação imediata
Custo: R$ 3 milhões
Integrar o Instituto Internacional de Neurociências (IINN) ao Parque Industrial de Macaíba e um campus da UFRN no municípios
- Concluir as obras de infra-estrutura necessárias ao funcionamento do IINN; particularmente as vias de acesso
- Elaborar o Plano de Desenvolvimento Científico e Tecnológico da RMN
- Dobrar o orçamento do Estado na área de ciência e tecnologia
Status atual: Secretaria Estadual de Planejamento não forneceu informações

PERSONAGENS


Allyson Jonas do Nascimento Vicente
Confeiteiro
Mora em Ceará-Mirim, mas trabalha em Neópolis, zona sul de Natal. Há um ano ele faz o trajeto diário no trem que parte às 5h20 de Parnamirim. Para apenas 0,50 por viagem. Se viesse de ônibus, o gasto era outro. “Levaria umas 2h30 para chegar. Além disso, a passagem de R$3,60”, comenta.

Maria Betânia Rosene de Lima
Empregada doméstica
O maior problema em morar na Região Metropolitana de Natal é o trânsito. Ela mora em Ceará-Mirim, mas trabalha em Cidade da Esperança. Nos dias em que a locomotiva quebra, o jeito é faltar ao trabalho. “Eu digo logo que se for para pegar o trânsito de Igapó é melhor nem sair de Ceará-Mirim”, afirma.

Maria Geivane Rosene de Lima
Vendedora
Tinha uma rotina ainda mais pesada que a tia: pegava o trem às 5h20, trabalhava o dia inteiro, ia para a faculdade, em Ponta Negra, às 19h. Só retornava à Ceará-Mirim à meia noite. Acabou desistindo do curso de Serviço Social. “Não tinha faculdade em Ceará-Mirim, mas agora vai abrir e eu vou voltar a estudar”, conta.

Raiane Gomes da Silva
Estudante
Aprendeu a evitar os ônibus. Anda a pé de Lagoa Grande, região rural de Ceará-Mirim, até à estação. Pega o trem. Da Ribeira, caminha até a sede do curso profissionalizante, na Prudente de Morais. “Tem alguns cursos  em Ceará-Mirim, mas são poucos”, explica ela, que faz curso de auxiliar administrativo.

Bate-papo

Tânia Bacelar
Economista da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Elaborou o Plano de Desenvolvimento da RMN

Qual o diagnóstico feito de Natal na época da elaboração do plano da RMN?
O diagnóstico geral é que ainda não existia uma região metropolitana em Natal. Existia uma lei que havia sido criada, mas a definição legal não correspondia à realidade. Uma metrópole é uma cidade que se expande para os outros municípios, e existe uma intensa troca entre as cidades. No caso de Natal, essa última característica não existe. Existia um transbordamento na região sul, para Parnamirim, e norte, para São Gonçalo. Os demais municípios não tinham essa relação, como troca de recursos humanos, economia.

E existiam outras características?

Natal ainda tinha uma grande faixa de área rural. E era preciso tomar muito cuidado com isso. Existia uma macrocefalia em Natal, e dois municípios dependentes dela. Mas a lei passou na frente e acabou criando uma região metropolitana que ainda não existe. Isso dava uma hetereogeneidade muito grande, porque você tinha municípios bem desenvolvidos, como Natal, e outros com índices baixos de desenvolvimento humano.

Qual era a recomendação do plano na época? Era preciso organizar a metrópole?

É interessante o momento porque era uma metrópole em desenvolvimento, você poderia definir diretrizes e construir uma boa metrópole. Depois que ela surge é mais difícil. Natal é uma metrópole em formação, por isso discutíamos a importância do Potengi, do aeroporto novo, que puxa o desenvolvimento para o norte. Mas existe uma jóia ali no meio, que é o rio. É preciso atenção.

Temos quase seis anos de elaboração do plano. A senhora acha que algo foi feito?
Não tenho acompanhado muito, quem está a frente é (Maria do) Livramento, mas acredito que essa característica (germe da metrópole) não tenha mudado muito. Os outros municípios eram muito distantes do desenvolvimento.

Com relação ao gerenciamento da metrópole, o que era recomendado?
Era recomendado que se criasse um conselho entre governo, municípios, câmara e sociedade civil organizado. A gente também propôr criar um fundo metropolitano, um instrumento para investir na metrópole. Cada prefeito só pode investir na sua cidade. Esse fundo poderia receber recursos e investir em um equipamento regional. Vários municípios poderiam investir.

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